Sara Punida

Sara Punida ( prosa poética/ conto)

Sara tenta esquecer o que aconteceu, mas não é possível porque as lembranças estão na sua mala como roupas amarrotadas.
As roupas dão indício do que fez e de onde esteve.
Mas a mala está trancada. Ninguém pode saber...
Sara não contou diretamente para ninguém o que aconteceu por puro receio do que pudessem dizer.
Com certeza, a julgariam e não a entenderiam, mas é a verdade: Sara viu a morte... As roupas dela estavam encharcadas de angústia ou culpa. Sim... Seria possível?!
Podem-se dizer que as roupas dela estavam encharcadas do sangue que escorria do seu braço auto-mutilado, violentado, punido por agir... Afinal, quando errava, merecia ser punida... Tão insuficiente assim não queria mais viver... Mas Sara só conseguia ver que estava encharcada de angústia ou culpa.
Sara tentou se matar e chegou a ver a morte de muito perto.
Ela guardou no armário do seu quarto escuro seu segredo numa mala trancada pela vergonha de confessar seu desejo de se matar.
Ao ver mentalmente as fotos do seu passado com cor de gris, Sara se punia por pensar certas coisas dos outros e de si mesma parecendo se relacionar com o mundo e consigo a partir de violências e cobranças por não ter agido de uma forma "correta". Que se dane o sentimento! "Não seja fraca"- pensava ela. Diversos pensamentos a rondavam contra ela mesma. 
Desde essa primeira tentativa de automutilação, Sara pendurou na porta do seu armário fotos pretas do futuro desconhecido. Fotos pretas de amigos e amigas sem rosto. Fotos pretas de amores futuros. Fotos pretas com a família... Fotos pretas de planos que poderiam ser realizados... Fotos pretas de novos aprendizados... Fotos pretas que escondem outras possibilidades.
O medo do desconhecido é latente e gritante que dá vontade de que permaneçam fotos escuras. É uma angústia do futuro que está por vir. Há em cada escolha, uma renúncia de outra... Mas não quer dizer que numa outra hora, a gente não possa escolher o que renunciamos. É possível recomeçar...
Sara começava a sentir, sem querer assumir, um vislumbre do que parecia ser uma curiosidade de como seriam tais fotos com cor.
Mesmo assim, com a possibilidade de continuar sendo machucada e decepcionada, Sara não quis ver tais fotos porque para ela a angústia era o mesmo do que a culpa. São sinônimas. Não conseguia ver a possibilidade de se sentir frustrada ou angustiada quando uma necessidade não era atendida sem tanta culpa por como agiu ou se sentiu porque era difícil se permitir experimentar coisas novas e por vezes se entristecer e/ou se alegrar com elas. Não conseguia ver porque talvez não estivesse acostumada a olhar com atenção aos seus sentimentos dando mais valor aos julgamentos a ela mesma... Ela sofria com a falta de empatia das pessoas ao redor com ela, mas a dela com ela mesma foi a mais esmagadora que a fazia querer partir... Ou talvez estivesse com depressão a dificultando sentir prazer. A culpa desse sentimento a engoliu sozinha sem querer aceitar ajuda e por isso, não sabia o motivo de não ter forças pra nada. 
Com roupas encharcadas de uma profunda angústia ou culpa, agora o coração exausto de Sara estava mutilado sangrando com uma estaca afiada no seu centro, sendo assim punido por sentir e se ver assim tão insuficiente.
Ela não mais escondeu a mala com sangue... Sara viu a morte de bem perto... mais perto impossível...
Só deu tempo de um último pensamento: "As fotos penduradas no meu guarda-roupa vão permanecer escuras". 
E foi aí que Sara sentiu uma leve tristeza e posteriormente um resquício do que seria uma curiosidade para desvendá-las mais uma vez. Mas já era tarde demais...

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